segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Cláusula de Desempenho e Desfiliação Partidária

Uma modalidade de cláusula de barreira foi instituída pela Emenda Constitucional nº 97/2017, que também criou nova hipótese constitucional de justa causa para desfiliação partidária - o não preenchimento pelo partido dos requisitos do § 3º do art. 17 da Constituição.

O Tribunal Superior Eleitoral, respondendo a consulta formulada pelo partido Democracia Cristã (DC), decidiu que o resultado das Eleições 2018 para a composição da Câmara dos Deputados deverá ser considerado para aplicação da cláusula de barreira na legislatura de 2019 a 2022 (Consulta nº 0604127-30.2017.6.00.0000).
Da mesma forma, a corte fixou que os partidos políticos que não atingiram os requisitos nas eleições de 2018 ficarão impossibilitados de receber recursos do Fundo Partidário a partir de 1° de fevereiro de 2019. Ainda no julgamento da PET nº 0601892-56, o relator da decisão, Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, apresentou
uma minuta de portaria com as tabelas das legendas que cumpriram e das que não cumpriram as regras da cláusula de barreira. “Sendo certo que essas tabelas podem sofrer eventuais alterações decorrentes de totalizações derivadas de julgamentos de registros ainda pendentes””.
Fixado pelo Tribunal Superior Eleitoral que a regra de transição da emenda constitucional passa a produzir efeitos (impedimento de repasse de recursos do Fundo Partidário ao partido que não tenham cumprido os requisitos fixados na norma) a partir de 1° de fevereiro de 2019, é de se questionar acerca da aplicação da permissão para mudança de partido.

ATUALIZAÇÃO: divulgada a relação de partidos políticos que não atingiram a composição e distribuição do percentual mínimo de votos ou não elegeram bancada mínima para a Câmara dos Deputados fixados pelas alíneas a e b do inciso I do art. 3º da EC nº 97/2017

Quando da apreciação da proposta de emenda constitucional, os pareceres produzidos na Câmara dos Deputados mencionaram a necessidade de consolidação do quadro partidário brasileiro:
Em relação à cláusula de desempenho, afirmam os autores que tal mecanismo torna-se fundamental para a consolidação do quadro partidário brasileiro, hoje bastante disperso. Ademais, sustentam que a pulverização de partidos políticos no Congresso Nacional, sem que novas medidas de fortalecimento da identidade e fidelidade partidárias tenham sido eficazmente implementadas, cria dificuldades para o funcionamento do Poder Legislativo e contribui para um maior distanciamento entre a população e seus representantes.

O significativo número de partidos políticos no Brasil foi associado às facilidades de acesso dos partidos políticos aos recursos do fundo partidário e ao tempo de propaganda gratuito no rádio e na televisão e a redução do número de legendas, à redução dos custos políticos de governabilidade. Vejamos
É esse o desafio enfrentado por esta Comissão e por todas as outras que a antecederam. Nesse esforço coletivo, no qual contamos com a contribuição preciosa de diversas autoridades políticas e especialistas da área, identificamos que o grande número de partidos com representação no Congresso Nacional está diretamente relacionado com duas distorções institucionais em nosso ordenamento político-eleitoral. Essas distorções são: 1) a possibilidade de coligações eleitorais; 2) as regras de acesso dos partidos políticos aos recursos do fundo partidário e ao tempo de propaganda gratuito no rádio e na televisão.
[...]
De outro, estou convicta de que essas inovações promoverão uma importante redução da quantidade excessiva de partidos políticos com representação no Congresso Nacional, o que contribuirá decisivamente para a redução dos elevadíssimos custos políticos de governabilidade e, consequentemente, para uma maior estabilidade do sistema político brasileiro.
[...]
Essa norma está alinhada com o nosso modelo de democracia representativa, em que os representantes são recrutados e apresentados à sociedade por meio dos partidos políticos e não individualmente. Esse modelo, contudo, tem sido deturpado pela excessiva migração partidária que tem acompanhado a realidade legislativa nas últimas décadas. Entre 1986 e 2010, por exemplo, nada menos que 27% dos Deputados Federais trocaram de partido ao longo do exercício do mandato (NICOLAU, 2017, p. 80).
Todos nós sabemos os efeitos negativos que a liberdade plena de migração partidária durante o exercício dos mandatos tem causado às nossas instituições representativas. Na prática, a desfiliação partidária injustificada reduz a importância das ideias e programas partidários durante as legislaturas. E, consequentemente, compromete a governabilidade política, na medida em que retira a estabilidade de acordos e negociações de agendas políticas que normalmente são realizadas com base na composição das forças partidárias
representadas no Legislativo.

Contraditoriamente, a norma que implicará na redução do número de partidos políticos criou nova possibilidade de migração partidária.
Tal circunstância foi inclusive apontada no voto em separado produzido por membros daquela casa:
A ideia de ataque ao direito das minorias ganha ainda mais força quando extraímos da PEC a possibilidade que os mandatos eleitos têm de mudar de partido sem incorrer na perda de mandato pela via da infidelidade partidária. Ora, se a ideia é enfrentar apenas o fisiologismo, porque não assegurar a fidelidade partidária inclusive para esses casos? Questões estruturais não devem pautar a alocação partidária de parlamentares. O elemento central da discussão deve ser a identidade ideológica, garantindo, acima de tudo, a igualdade entre os mandatos.

Considerando que a cláusula de barreira produzirá efeitos a partir de 01.02.2019, é possível defender que os mandatários prejudicados pelos seus efeitos possam se valer da possibilidade de justa causa para desfiliação tendo a mesma data como termo.
Da mesma forma, considerando que as restrições aos partidos ditos pequenos - aqueles que não atingiram a cláusula de barreira - atingirão imediatamente os partidos em todas as esferas, é razoável que a justificativa para desfiliação seja estendida aos eleitos nas Eleições 2016 que ocupam atualmente cargos de vereador.
O efeito imediato da cláusula de barreira é o fim do repasse dos recursos do Fundo Partidário e o mediato é a vedação de acesso à propaganda em rádio e TV.
Mesmo que integralidade das restrições impostas aos partidos pequenos somente esteja configurada com o início da campanha eleitoral de 2020, a negação do direito de migração dos vereadores a partir do fim do acesso aos recursos do Fundo Partidário faria do § 5º do art. 17 da Constituição letra morta, visto que a desfiliação no ano da eleição é hipótese de justa causa já prevista no item III do art. 22-A da Lei nº 9.096/1995.
Sobre o tema:
A hipótese de justa causa prevista no item III do art. 22-A da Lei nº 9.096/1995 passou a ser apelidada de “janela para troca de partido”, por oportunizar a troca de partido sem uma causa específica a não ser a proximidade de outras eleições associadas ao fim do mandato. A questão foi inclusive tratada também pela EC nº 91/2016. Sem alterar explicitamente o texto constitucional, a emenda facultou ao detentor de mandato eletivo desligar-se do partido pelo qual foi eleito nos trinta dias seguintes à sua promulgação, sem prejuízo do mandato. Percebe-se o caráter episódico da emenda, diante da vinculação do prazo para desfiliação a dias corridos após a promulgação da emenda. O texto, além disso, foi mais abrangente que o da Lei nº 9.096/1995, com a redação dada pela Lei nº 13.165/2015, uma vez que o art. 22-A, III, da Lei nº 9.096/1995 admite a mudança de partido sem perda de mandato, apenas para aquele que estiver ao término no mandato vigente. Vê-se que parece ser difícil consolidar a fidelidade partidária na prática política brasileira, impedindo que os eleitores identifiquem, via partido, o perfil de seus candidatos.
A EC nº 97/2017 introduziu uma nova hipótese de justa causa para a desfiliação no art. 17 da CF/1988. Trata-se da desfiliação de partido que não conseguir superar a cláusula de barreira também introduzida no texto constitucional pela mesma emenda (art. 17, § 5º, da CF/1988). A norma é compreensível já que o candidato, nessa situação, estará integrando um partido sem tanta representatividade, e com limitação ao acesso das verbas do fundo partidário, e à televisão, ou seja, com limitação de desempenho e funcionamento.
(Machado, Raquel Cavalcanti Ramos. Direito eleitoral – 2. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2018)

Assim, para que haja diferenciação entre as hipóteses da janela para troca de partido em razão da proximidade da eleição (art. 22-A, inc. III, da Lei nº 9.096/95)  e da nova justa causa constitucional (art. 17, § 5º, da CF), é necessário que se reconheça que a segunda deva ser admitida a partir da divulgação, pelo órgão competente, da relação de partidos que não atingiram a cláusula de barreira.
No entanto, para evitar a insegurança jurídica, o Tribunal Superior Eleitoral poderia cogitar da fixação de prazo para migração partidária, a fim de evitar as negociações pouco republicanas inerentes à possibilidade de troca de partido a qualquer tempo.
Esse posicionamento inclusive foi adotado pela corte ao responder a Consulta nº 755-35 em relação à criação de partido novo.
Naquela ocasião, foi fixado que o prazo razoável para a filiação no novo partido é de 30 dias contados do registro do estatuto partidário pelo TSE.
Da mesma forma, o Tribunal poderia, ao publicar a portaria com as tabelas das legendas que cumpriram e das que não cumpriram as regras da cláusula de barreira, dar ciência aos interessados da abertura do prazo para a migração partidária e da data final para manifestação da opção.
Certamente tal procedimento evitaria que várias ações sejam levadas aos Tribunais Eleitorais questionando a possibilidade de desfiliação e o prazo para optar pela troca de partido.


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3 comentários:

  1. Apenas para permitir a continuidade da discussão, eh importante considerar que o "tamanho" do partido implica na participação nas comissões das casas legislativas e na mesa diretora.

    Então, por exemplo na hipótese de deputados eleitos não empossados migrarem para a agremiação que alcançou a cláusula de desempenho, fará com que o cálculo de proporcionalidade e representatividade nas assembleias e câmaras seja de uma forma.

    E, caso a possibilidade para mudança de partido, seja somente após a posse (01 de fev de 19) a proporcionalidade dessa divisão será outra totalmente diferente. Pois a eleição da mesa diretora e sua composição, formação da blocos parlamentares etc . . . Ficará comprometida .

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  2. Excelente análise! Obrigada pela participação.
    Da mesma forma que o “tamanho dos partidos”, é perceptível que o legislador se preocupou em contornar as máculas apontadas pelo Supremo Tribunal Federal quando da declaração de inconstitucionalidade da cláusula de barreira prevista no art. 13 da Lei nº 9.096/95, em especial a questão do funcionamento parlamentar. A redação original do projeto de emenda constitucional (PEC 282/2016) previa expressamente a perda do direito de funcionamento parlamentar, mas todos os dispositivos que estabeleciam essa restrição não constaram na redação final da norma.
    É possível deduzir daí que a restrição do funcionamento parlamentar tenderia a atrair a inconstitucionalidade da emenda.
    No entanto, essa restrição foi trazida em Resolução da Câmara dos Deputados, que já está sendo questionada no STF (http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=400380).
    Certamente esse é um aspecto da questão que deve ser considerado pelo Tribunal Superior Eleitoral, tanto em relação ao funcionamento parlamentar quanto à participação nas comissões e mesa diretora.
    Me parece que a migração partidária não é viável antes da divulgação oficial pelo TSE da nominata das agremiações que não atingiram a cláusula de barreira, já que o prejuízo que legitima a desfiliação somente começa a ser experimentado com a supressão do recebimento dos recursos do Fundo Partidário.
    Mas certamente essa é uma alteração em nosso sistema que terá muitos desdobramentos.

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