quarta-feira, 19 de abril de 2023

Direito Eleitoral X Conflitos Indígenas

Desde agosto de 2022, vem sendo autorizado o emprego da Força Nacional de Segurança Pública – FNSP, em apoio à Polícia Federal - PF, na Terra Indígena Guarita, no Estado do Rio Grande do Sul, nas atividades e nos serviços imprescindíveis à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

A área fica entre os municípios de Redentora, Erval Seco e Tenente Portela, e registra conflitos em razão da disputa pela liderança da comunidade. Em 2019, o cacique da reserva foi alvo de uma tentativa de homicídio. 

Nas Eleições 2020, o conflito atingiu também algumas das candidaturas indígenas, tendo sido ajuizadas Ação de Investigação Judicial Eleitoral – AIJE e Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, nas quais se narrou o cometimento de fraude ao disposto no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, mediante o registro de candidatas fictícias.

As duas candidaturas de mulheres indígenas impugnadas alegaram a perseguição pela liderança indígena como motivo para a desistência da candidatura e justificativa para a obtenção de votação zerada.

No julgamento destes processos, foi reconhecida a existência de atos de intimidação das candidatas por parte do cacique local, adversário político, tais como a a prisão de candidato de seu partido por ordem do cacique e ameaças de afastamento do pai da candidata de seu emprego.

Para aprofundamento sobre as particularidades daquela terra indígena e suas relações de poder, foi utilizado estudo realizado por Flávia Miranda Falcão.

A relatora das ações, Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, em seu voto, afirmou que o TRE-RS, em ações dessa natureza, tem admitido que fatos supervenientes ao registro de candidatos possam justificar a desistência da disputa eleitoral, ainda que de modo informal, sem que a candidatura seja reputada fraudulenta. No caso de Redentora, o fato de serem as candidatas indígenas e vinculadas a partido de oposição ao cacique da reserva indígena onde residem e a ocorrência de séria e grave intimidação após o início da campanha eleitoral amparariam o abandono da campanha eleitoral sem que se possa falar em fraude.

Fatores de ordem sociocultural, o temor e a reverência às determinações do cacique, ainda que não tivessem atingido todos os membros daquele grupo de forma idêntica, foram considerados aptos a justificar a conduta das candidatas que abandonaram a campanha, por suas condições pessoais de experiência e de instrução, sem que isso caracterize fraude.

O acórdão manteve a sentença de primeiro grau proferida pelo juiz eleitoral, Dr. Bruno Enderle Lavarda, que julgou improcedentes os pedidos.

Também foi recomendado que o Ministério Público averiguasse a conduta do cacique.

Confira o acórdão.


sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Indícios de irregularidades em prestação de contas

As peculiaridades que envolvem campanhas eleitorais fazem com que estas sejam eventos com grandes possibilidades de realização de operações com a finalidade de lavagem de dinheiro.

O candidato em campanha realiza gastos de difícil mensuração e precificação, como contratação de publicidade, assessoria jurídica e contábil, consultorias, contratação de pessoal, em relação aos quais é difícil a “quantificação” dos preços efetivos pela prestação de serviços.

Por isso, determinadas modalidades de contratações e arrecadação de recursos são objeto de especial acompanhamento pela Justiça Eleitoral.


Doações Eleitorais

Em relação à arrecadação, se tem notícia de encobrimento de transações ilícitas quando do ingresso de valores na conta de candidatos mediante utilização de números de inscrição no cadastro de pessoas físicas (CPF) de eleitores que não têm qualquer simpatia, ou mesmo conhecimento, da campanha. Essas inscrições, imprescindíveis para a mínima identificação do depósito e exigidas pela legislação eleitoral, em princípio, acabam por serem obtidas sem o conhecimento e sem o consentimento dos eleitores, podendo ser provenientes de listas irregulares colocadas à disposição dos interessados, de cadastros disponíveis em repartições públicas (nas quais os candidatos, com frequência, já estão inseridos), de dados facilmente localizáveis na Internet, dentre outras possibilidades.

A fim de evitar esse tipo de operação, a legislação eleitoral impõe formas específicas de “identificação de doações” e limites para doação por pessoa física – 10% dos rendimentos auferidos no ano anterior ao da eleição.

A título de exemplo da utilização de terceiros/laranjas para a realização de ingresso de valores possivelmente provenientes de ilícitos, é possível encontrar, em pesquisas jurisprudenciais, eleitores de Macapá, Estado do Amapá, que, ao descobrirem estar sendo relacionados como doadores de campanha de deputado estadual no Rio de Janeiro, nas Eleições 2014, postularam a fixação de indenização por danos morais. Também um eleitor de Rolim de Moura, em Rondônia, demandado em ação judicial, alegou ter sido nomeado como doador da mesma candidatura carioca. Na ocasião, juntou ao processo reportagem na qual se noticiava que o candidato teria usado nome e CPF de pessoas aprovadas em concurso público como financiadores de sua campanha eleitoral. Já no Paraná, o nome vários servidores públicos, lotados no setor de vigilância de uma universidade pública, constaram como supostos doadores para a campanha eleitoral de um deputado federal, conforme se verificou nas decisões dos processos que aportaram no Supremo Tribunal Federal em razão do quantum fixado como reparação civil. Com exceção do caso de Rondônia, nos demais mencionados, os eleitores tiveram ciência da utilização de seus dados ao consultarem seus nomes em sites de busca na Internet.

Quanto ao ingresso irregular de valores, a legislação eleitoral, no intuito de minimizar a possibilidade da utilização dos doadores “laranjas”, impõe a utilização de mecanismos como a transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do candidato para conferir maior confiabilidade acerca da real origem das contribuições superiores a R$ 1.064,10.

Tal valor, equivalente a um mil UFIR, é o parâmetro de insignificância na seara eleitoral, uma vez que o art. 27 da Lei no 9.504/97 autoriza que esse não seja contabilizado na prestação de contas quando refletir gasto realizado por eleitor em apoio a candidato de sua preferência, desde que não haja reembolso.

Outra forma de filtrar a regularidade da doação é verificar se, em tese, o doador tem capacidade econômica.

O batimento eletrônico, nesse caso, é realizado entre os dados dos doadores e aqueles constantes em cadastros públicos de assistência social, já que é pressuposto para o recebimento desses recursos do Estado a ausência de capacidade econômica.

Por isso, os relatórios de análise apontam como supostas irregularidades as doações recebidas de beneficiários de programas sociais como Bolsa Família ou do Auxílio Emergencial.

Para comprovar a regularidade do ingresso, basta demonstrar que o doador detém capacidade econômica. Por exemplo: apesar de receber seguro-desemprego, o doador tem patrimônio e capacidade para dispor de recursos, o que pode ser comprovado por sua declaração de imposto de renda ou extrato de aplicação financeira. Outra possibilidade é que a doação tenha sido estimável em dinheiro, a qual nem sempre exige que a atual situação financeira do doador seja determinante.

A fim de tentar evitar a ocorrência de doações sem a identificação correta, a Justiça Eleitoral também realiza batimento de dados com outros órgãos públicos, apontando, por exemplo, doações provenientes de indivíduos com registro de óbito anterior à doação e concentração de doadores em uma mesma empresa, que poderia significar uso de relação de CPFs sem o conhecimento dos eleitores envolvidos.


Gastos Eleitorais

Com base em informações fornecidas por órgãos públicos, as análises da Justiça Eleitoral indicam quando fornecedores arrolados nos demonstrativos contábeis não tem registro na Junta Comercial ou na Receita Federal; quando as empresas contratadas são aberta às vésperas da eleição, ou tem entre seus sócios filiado a partido político.

Da mesma forma, o valor da contratação também é comparado com a capacidade operacional da empresa.

No caso desses apontamentos, é necessário demonstrar no processo de Prestação de Contas que o serviço foi efetivamente prestado pela empresa (fotos, relatórios, demonstrativos, pareceres) ou que o material adquirido foi efetivamente entregue (fotos, exemplares, amostras).

Indícios de falta de capacidade operacional também podem ser superados pela comprovação de que o serviço prestado não demandava grande quantidade de mão de obra ou que o contratado terceirizou regularmente parte do objeto da contratação.

Quando estão envolvidos recursos públicos, muitas vezes também é necessário comprovar que os gastos são compatíveis com os valores de mercado locais, por meio de orçamentos de produtos/serviços/imóveis similares ou valores declarados por outros candidatos.


Leia mais sobre irregularidades emcampanhas eleitorais e lavagem de dinheiro

sábado, 3 de outubro de 2020

Candidatura Coletiva

Um fenômeno que pôde ser observado nas Eleições 2018 e que deve ser repetir em 2020 são as candidaturas coletivas.

Confira na notícia publicada uma descrição dessa modalidade de acordo:

ELEIÇÕES 2018

Nestas eleições, há pelo menos nove candidaturas coletivas, formadas por pessoas que se uniram por uma vaga no Legislativo, inclusive no DF. Especialistas alertam para os obstáculos de buscar um lugar na política por essa modalidade.

A Justiça Eleitoral permitiu o registro de pelo menos nove candidaturas coletivas, formadas por grupos de pessoas que se uniram para concorrer a uma única vaga no Legislativo. A ideia é que, ao votar em um, o eleitor possa eleger três, quatro ou até cinco representantes, que tentam lugar no Congresso Nacional, na Câmara Legislativa do DF e nas Assembleias Legislativas de São Paulo, de Mato Grosso do Sul e do Paraná.

Os dados foram levantados pelo Correio com base em informações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Como a busca foi feita apenas com os termos “coletivo” e “coletiva”, a quantidade de candidaturas desse tipo, mas com outras nomenclaturas, pode ser maior.

Na prática, só haverá um candidato “oficial”: um dos integrantes do grupo se registra, com base nos mesmos critérios de todos os outros postulantes, e é a foto dele que aparecerá nas urnas. A diferença é que ele se identificará como “mandato coletivo”, “candidatura coletiva” ou algo parecido. Como não existe previsão na lei para que mais de um candidato assuma um posto, essa é a única opção viável para essas iniciativas.

Um dos integrantes do grupo “empresta o CPF” para o registro, mas todos tomarão as decisões em conjunto, [...]

Embora a reportagem afirme que a Justiça Eleitoral permitiu, em realidade, a modalidade coletiva de candidatura não tem previsão legal e não pode ser registrada nesses termos (registro de vários candidatos para campanha conjunta).

O que ocorreu, nessas situações, é que o grupo foi “representado” por um candidato, e este atendeu aos requisitos legais e teve seu registro deferido. Os acertos realizados entre os integrantes do coletivo não podem ser fiscalizados pela Justiça Eleitoral.

Veja um exemplo:

Como se percebe, nesse caso, os envolvidos optaram por registrar um nome de urna que indicasse a existência do grupo (uso da expressão "da Bancada Ativista"), único elemento que poderia sinalizar ao eleitor que aquela candidatura tinha uma proposta não individual de desempenho do mandato.

A legislação eleitoral estabelece requisitos bastante específicos para a imagem 'oficial' da candidatura:

ResoluçãoTSE n. 23.609/19

Art. 27 [...]

II - fotografia recente do candidato, inclusive dos candidatos a vice e suplentes, observado o seguinte (Lei nº 9.504/1997, art. 11, § 1º, VIII):

a) dimensões: 161 x 225 pixels (L x A), sem moldura

b) profundidade de cor: 24bpp;

c) preferencialmente colorida, com cor de fundo uniforme;

d) características: frontal (busto), com trajes adequados para fotografia oficial, assegurada a utilização de indumentária e pintura corporal étnicas ou religiosas, bem como de acessórios necessários à pessoa com deficiência; vedada a utilização de elementos cênicos e de outros adornos, especialmente os que tenham conotação de propaganda eleitoral ou que induzam ou dificultem o reconhecimento do candidato pelo eleitor;

A proposta de candidatura coletiva impõe um desafio adicional ao grupo que opta pela modalidade: explicar ao eleitor que, no dia da eleição, a foto que constará na urna será apenas a de um membro do grupo, e não necessariamente daquele que estava divulgando a candidatura.