sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Indícios de irregularidades em prestação de contas

As peculiaridades que envolvem campanhas eleitorais fazem com que estas sejam eventos com grandes possibilidades de realização de operações com a finalidade de lavagem de dinheiro.

O candidato em campanha realiza gastos de difícil mensuração e precificação, como contratação de publicidade, assessoria jurídica e contábil, consultorias, contratação de pessoal, em relação aos quais é difícil a “quantificação” dos preços efetivos pela prestação de serviços.

Por isso, determinadas modalidades de contratações e arrecadação de recursos são objeto de especial acompanhamento pela Justiça Eleitoral.


Doações Eleitorais

Em relação à arrecadação, se tem notícia de encobrimento de transações ilícitas quando do ingresso de valores na conta de candidatos mediante utilização de números de inscrição no cadastro de pessoas físicas (CPF) de eleitores que não têm qualquer simpatia, ou mesmo conhecimento, da campanha. Essas inscrições, imprescindíveis para a mínima identificação do depósito e exigidas pela legislação eleitoral, em princípio, acabam por serem obtidas sem o conhecimento e sem o consentimento dos eleitores, podendo ser provenientes de listas irregulares colocadas à disposição dos interessados, de cadastros disponíveis em repartições públicas (nas quais os candidatos, com frequência, já estão inseridos), de dados facilmente localizáveis na Internet, dentre outras possibilidades.

A fim de evitar esse tipo de operação, a legislação eleitoral impõe formas específicas de “identificação de doações” e limites para doação por pessoa física – 10% dos rendimentos auferidos no ano anterior ao da eleição.

A título de exemplo da utilização de terceiros/laranjas para a realização de ingresso de valores possivelmente provenientes de ilícitos, é possível encontrar, em pesquisas jurisprudenciais, eleitores de Macapá, Estado do Amapá, que, ao descobrirem estar sendo relacionados como doadores de campanha de deputado estadual no Rio de Janeiro, nas Eleições 2014, postularam a fixação de indenização por danos morais. Também um eleitor de Rolim de Moura, em Rondônia, demandado em ação judicial, alegou ter sido nomeado como doador da mesma candidatura carioca. Na ocasião, juntou ao processo reportagem na qual se noticiava que o candidato teria usado nome e CPF de pessoas aprovadas em concurso público como financiadores de sua campanha eleitoral. Já no Paraná, o nome vários servidores públicos, lotados no setor de vigilância de uma universidade pública, constaram como supostos doadores para a campanha eleitoral de um deputado federal, conforme se verificou nas decisões dos processos que aportaram no Supremo Tribunal Federal em razão do quantum fixado como reparação civil. Com exceção do caso de Rondônia, nos demais mencionados, os eleitores tiveram ciência da utilização de seus dados ao consultarem seus nomes em sites de busca na Internet.

Quanto ao ingresso irregular de valores, a legislação eleitoral, no intuito de minimizar a possibilidade da utilização dos doadores “laranjas”, impõe a utilização de mecanismos como a transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do candidato para conferir maior confiabilidade acerca da real origem das contribuições superiores a R$ 1.064,10.

Tal valor, equivalente a um mil UFIR, é o parâmetro de insignificância na seara eleitoral, uma vez que o art. 27 da Lei no 9.504/97 autoriza que esse não seja contabilizado na prestação de contas quando refletir gasto realizado por eleitor em apoio a candidato de sua preferência, desde que não haja reembolso.

Outra forma de filtrar a regularidade da doação é verificar se, em tese, o doador tem capacidade econômica.

O batimento eletrônico, nesse caso, é realizado entre os dados dos doadores e aqueles constantes em cadastros públicos de assistência social, já que é pressuposto para o recebimento desses recursos do Estado a ausência de capacidade econômica.

Por isso, os relatórios de análise apontam como supostas irregularidades as doações recebidas de beneficiários de programas sociais como Bolsa Família ou do Auxílio Emergencial.

Para comprovar a regularidade do ingresso, basta demonstrar que o doador detém capacidade econômica. Por exemplo: apesar de receber seguro-desemprego, o doador tem patrimônio e capacidade para dispor de recursos, o que pode ser comprovado por sua declaração de imposto de renda ou extrato de aplicação financeira. Outra possibilidade é que a doação tenha sido estimável em dinheiro, a qual nem sempre exige que a atual situação financeira do doador seja determinante.

A fim de tentar evitar a ocorrência de doações sem a identificação correta, a Justiça Eleitoral também realiza batimento de dados com outros órgãos públicos, apontando, por exemplo, doações provenientes de indivíduos com registro de óbito anterior à doação e concentração de doadores em uma mesma empresa, que poderia significar uso de relação de CPFs sem o conhecimento dos eleitores envolvidos.


Gastos Eleitorais

Com base em informações fornecidas por órgãos públicos, as análises da Justiça Eleitoral indicam quando fornecedores arrolados nos demonstrativos contábeis não tem registro na Junta Comercial ou na Receita Federal; quando as empresas contratadas são aberta às vésperas da eleição, ou tem entre seus sócios filiado a partido político.

Da mesma forma, o valor da contratação também é comparado com a capacidade operacional da empresa.

No caso desses apontamentos, é necessário demonstrar no processo de Prestação de Contas que o serviço foi efetivamente prestado pela empresa (fotos, relatórios, demonstrativos, pareceres) ou que o material adquirido foi efetivamente entregue (fotos, exemplares, amostras).

Indícios de falta de capacidade operacional também podem ser superados pela comprovação de que o serviço prestado não demandava grande quantidade de mão de obra ou que o contratado terceirizou regularmente parte do objeto da contratação.

Quando estão envolvidos recursos públicos, muitas vezes também é necessário comprovar que os gastos são compatíveis com os valores de mercado locais, por meio de orçamentos de produtos/serviços/imóveis similares ou valores declarados por outros candidatos.


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