segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Propaganda política

A Constituição assegura aos Partidos Políticos o acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei (art. 17, § 3º).
Esse acesso é regulado na Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97), que utiliza como critério para distribuição do tempo para vinculação de propaganda eleitoral: 
- a existência de candidato e
- representação na Câmara dos Deputados
O dispositivo da Lei da Eleições que vincula esse critério (art. 47) foi questionado no Supremo Tribunal Federal (ADI nº 4.795/DF).
Essa discussão se mostrou relevante principalmente em razão da fundação do Partido Social Democrático – PSD, que, apesar de ainda não ter participado de nenhuma eleição, já possui em seus quadros diversos Deputados Federais que migraram para ele, vindos de outros partidos.
É razoável conceder a um partido que não obteve nenhum voto nas urnas um tempo de acesso ao rádio e à televisão baseando-se na representatividade dos deputados que migraram para a agremiação?
A decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal foi estruturada de modo muito claro e didático pelo Dr. Márcio André Lopes Cavalcante no Informativo Esquematizado 672 - STF.
Segue a transcrição dos apontamentos, ficando também a indicação para que todos conheçam e acompanhem o excelente portal Dizer o Direito.


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Propaganda política 


1º ponto:

É inconstitucional excluir totalmente do horário eleitoral gratuito os partidos sem representação na Câmara dos Deputados. Entretanto, é constitucional estipular que os partidos com maior representação tenham mais tempo que os outros.

O § 2º do art. 47 da Lei n.º 9.504/97 deve ser interpretado da seguinte forma:
 Quanto à terça parte (1/3) do horário gratuito, esta deve ser distribuída de forma igual entre todas as legendas com candidaturas, independentemente do partido ter ou não representante na Câmara dos Deputados. Em outras palavras, 1/3 do tempo do horário gratuito deve ser dividido igualmente entre todos os partidos que estejam disputando as eleições, mesmo que não tenham Deputados Federais;
 Os 2/3 restantes do tempo do horário gratuito vão ser divididos de forma proporcional ao número de representantes na Câmara dos Deputados.

2º ponto: 
Se um novo partido é criado e não possui Deputados Federais eleitos pelo próprio partido, mas sim oriundos de outras agremiações, mesmo assim ele tem direito de participar do rateio do inciso II do § 2º do art. 47 da Lei nº. 9.504/97. Assim, os Deputados Federais que vieram para o novo partido irão entrar na contagem para o cálculo do horário gratuito do rádio e TV.

3º ponto: 
É constitucional o § 6º do art. 45, da Lei n.º 9.504/97, que dispõe o seguinte:
§ 6º É permitido ao partido político utilizar na propaganda eleitoral de seus candidatos em âmbito regional, inclusive no horário eleitoral gratuito, a imagem e a voz de candidato ou militante de partido político que integre a sua coligação em âmbito nacional.

Comentários

Neste julgado, o STF analisou duas ações diretas de inconstitucionalidade contra o art. 45, § 6º e o art. 47, § 2º, I e II, da Lei n.º 9.504/97.

Sobre o que trata a Lei nº 9.504/97:
Esta Lei estabelece normas para as eleições.
A Lei n.º 9.504/97 é conhecida como “Lei das Eleições”.

Antes de explicar o que foi decidido no julgado, veja algumas considerações muito interessantes sobre propaganda política feitas pelo Min. Dias Toffoli, um dos maiores conhecedores de Direito Eleitoral no país:

PROPAGANDA POLÍTICA
Propaganda política é toda aquela que possui finalidade eleitoral, não apenas com o fim específico da conquista de votos, mas também com o objetivo de expor determinado posicionamento político.
Propaganda política é o gênero que abrange duas espécies:
a) Propaganda partidária
A propaganda partidária se presta à difusão dos princípios ideológicos, atividades e programas dos partidos políticos.
Sua finalidade é a de angariar eleitores e cidadãos que simpatizem com os ideais do partido.
É regulada pelo art. 45 da Lei nº 9.096/95.

b) Propaganda eleitoral
A propaganda eleitoral é aquela que se realiza antes de certame eleitoral e objetiva, basicamente, a obtenção de votos, tornando-se instrumento de convencimento do eleitor, que pode, por seu intermédio, ampliar seu conhecimento sobre as convicções de cada candidato ou partido, fazendo a escolha que mais lhe convier.
É regulada pela Lei n.º 9.504/97.
O julgamento em questão versa sobre temas relacionados à propaganda eleitoral.

O que é o chamado “direito de antena”?
Consiste no direito dos partidos políticos de terem acesso gratuito aos meios de comunicação. Encontra-se previsto constitucionalmente no § 3º do art. 17 da CF/88:
§ 3º - Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei.

Legislação que, atualmente, rege a propaganda eleitoral: Lei nº 9.504/97
O art. 47 da Lei nº 9.504/97 disciplinou a distribuição do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão entre os partidos/coligações concorrentes.
Art. 47. As emissoras de rádio e de televisão e os canais de televisão por assinatura mencionados no art. 57 reservarão, nos quarenta e cinco dias anteriores à antevéspera das eleições, horário destinado à divulgação, em rede, da propaganda eleitoral gratuita, na forma estabelecida neste artigo.
Representação dos partidos/coligações na Câmara dos Deputados:
O critério utilizado pela lei para a repartição do horário gratuito é a representação dos partidos/coligações na Câmara dos Deputados resultante da última eleição:
Art. 47 (...)
§ 2º Os horários reservados à propaganda de cada eleição, nos termos do parágrafo anterior, serão distribuídos entre todos os partidos e coligações que tenham candidato e representação na Câmara dos Deputados, observados os seguintes critérios:I - um terço, igualitariamente;II - dois terços, proporcionalmente ao número de representantes na Câmara dos Deputados, considerado, no caso de coligação, o resultado da soma do número de representantes de todos os partidos que a integram.

ANÁLISE DA PRIMEIRA IMPUGNAÇÃO (§ 2º do art. 47 da Lei n.º 9.504/97):

Qual era o principal argumento da ADI:
É inconstitucional condicionar a participação de partido político na propaganda eleitoral à existência de representação desse na Câmara dos Deputados.

O que decidiu o STF?

Assiste razão, em parte, ao requerente.

Excluir do horário gratuito os partidos e coligações que não tenham representante na Câmara dos Deputados viola o art. 17, § 3º da CF, que consagra o direito constitucional das agremiações ao “acesso gratuito ao rádio e à televisão”.

Desse modo, deve ser declarada a inconstitucionalidade da expressão “e representação na Câmara dos Deputados”, contida no § 2º do art. 47 da Lei n.º 9.504/97.

No entanto, o STF entendeu que é constitucionalmente aceitável que seja adotado um tratamento diferenciado, quanto à divisão do tempo de propaganda eleitoral gratuita, entre partidos com e sem representação na Câmara dos Deputados.

Resumindo:
 é inconstitucional excluir totalmente do horário eleitoral gratuito os partidos sem representação na Câmara dos Deputados;
 entretanto, é constitucional estipular que os partidos com maior representação tenham mais tempo que os outros.

Como bem pontua o Min. Dias Toffoli:
Não há como se exigir tratamento absolutamente igualitário entre esses partidos, porque eles não são materialmente iguais, quer do ponto de vista jurídico, quer da representação política que têm. Embora iguais no plano da legalidade, não são iguais à legitimidade política.

A própria CF, em diversos momentos, estabelece distinções entre os partidos com e sem representação na Câmara dos Deputados (exs: art. 53, § 3º; art. 55, §§ 2º e 3º; art. 58, § 1º), o que prova que o constituinte aceitou essa diferenciação.

Como ficou a situação do § 2º do art. 47:
 Caput: A expressão “e representação na Câmara dos Deputados”, contida no § 2º do art. 47 da Lei n. 9.504/97 foi declarada inconstitucional;
 Inciso I: quanto à terça parte (1/3) do horário gratuito, esta deve ser distribuída de forma igual entre todas as legendas com candidaturas, independentemente do partido ter ou não representante na Câmara dos Deputados. Em outras palavras, 1/3 do tempo do horário gratuito deve ser dividido igualmente entre todos os partidos que estejam disputando as eleições, mesmo que não tenham Deputados Federais;
 Inciso II: os 2/3 restantes do tempo do horário gratuito vão ser divididos de forma proporcional ao número de representantes na Câmara dos Deputados.

Vale ressaltar que essa já era a interpretação dada pelo TSE ao inciso I do § 2º do art. 47 da Lei nº 9.504/97, não tendo, havido, portanto, novidade, na prática. Nesse sentido: art. 35 da Resolução nº 23.370/11.

ANÁLISE DA SEGUNDA IMPUGNAÇÃO (inciso II do § 2º do art. 47 da Lei nº 9.504/97):

Na ADI nº 4.795/DF, o autor buscava que o STF, dando interpretação conforme a Constituição ao inciso II do § 2º do art. 47 da Lei nº. 9.504/97, declarasse que os partidos políticos que não elegeram representantes na Câmara dos Deputados não tivesse direito de participar do rateio proporcional de 2/3 do tempo reservado à propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV.
Essa discussão tinha uma grande repercussão prática. Isso porque, em 2011, foi fundada uma nova agremiação política, o Partido Social Democrático – PSD.
O PSD, apesar de ainda não ter participado de nenhuma eleição, já possui em seus quadros diversos Deputados Federais que migraram para ele, vindos de outros partidos.

A pergunta que o STF, na prática, respondeu foi a seguinte:
Se um novo partido é criado e não possui Deputados Federais eleitos pelo próprio partido, mas sim oriundos de outras agremiações, mesmo assim ele tem direito de participar do rateio do inciso II do § 2º do art. 47 da Lei nº. 9.504/97?

R: SIM.

Segundo o Min. Dias Toffoli, no nosso sistema proporcional, não há como afirmar, simplesmente, que a representatividade política do parlamentar está atrelada à legenda partidária para a qual foi eleito, ficando, em segundo plano, a legitimidade da escolha pessoal formulada pelo eleitor por meio do sufrágio.
O voto do eleitor brasileiro, mesmo nas eleições proporcionais, em geral, se dá em favor de determinado candidato.
O princípio da liberdade de criação e transformação de partidos, contido no caput do art. 17 da CF/88 serve de fundamento constitucional para reputar como legítimo o entendimento de que, na hipótese de criação de um novo partido, a novel legenda, para fins de acesso proporcional ao rádio e à televisão, leva consigo a representatividade dos deputados federais que para ela migraram diretamente dos partidos pelos quais foram eleitos.
É bem verdade que, segundo o § 3º do art. 47 da Lei 9.504/97, a representação de cada partido na Câmara dos Deputados será a resultante da eleição. Segundo essa regra, o número de representantes de cada partido na Câmara Federal, que serve de base para o cálculo de tempo de televisão e de rádio, é aquele definido pela última eleição para deputado federal.
Ora, se o partido novo não participou do certame anterior, como poderia ele se submeter a um critério de desempenho nas últimas eleições?
Assim, o resultado da eleição anterior não pode afastar, para pleito eleitoral diverso, a representatividade adquirida por partido novo. Deve prevalecer a representatividade política conferida aos parlamentares que deixaram seus partidos de origem para se filiarem ao recém-criado.
Essa interpretação prestigia, por um lado, a liberdade constitucional de criação de partidos (art. 17, caput, CF/88) e, por outro, a representatividade do partido que já nasce com representantes parlamentares, tudo em consonância com o sistema de representação proporcional brasileiro.

ANÁLISE DA TERCEIRA IMPUGNAÇÃO (§ 6º do art. 45 da Lei n.º 9.504/97):

Art. 45 (...)
§ 6º É permitido ao partido político utilizar na propaganda eleitoral de seus candidatos em âmbito regional, inclusive no horário eleitoral gratuito, a imagem e a voz de candidato ou militante de partido político que integre a sua coligação em âmbito nacional.
(Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

Exemplo de aplicação desse dispositivo: nas eleições de 2010, um partido “X” poderia utilizar, na TV ou no rádio, uma mensagem de Dilma apoiando determinado candidato ao governo do Estado, mesmo que este fosse de outro partido que não o PT, desde que integrasse a mesma coligação em âmbito nacional (coligação para Presidente da República). Desse modo, em âmbito nacional, o partido “X” deveria estar coligado com o PT.

Qual era o principal argumento da ADI:
Essa permissão seria inconstitucional, por violar o caráter nacional dos partidos políticos (art. 17, I, CF/88) e os princípios da legalidade e da moralidade administrativa, pois facilitaria negociações espúrias do horário gratuito da propaganda eleitoral na formação de coligações partidárias.

O que decidiu o STF?

Esse dispositivo é CONSTITUCIONAL.
Não há violação ao caráter nacional dos partidos. Ao contrário, ele é respeitado e reforçado pelo referido § 6º porque a permissividade do dispositivo é diretamente vinculada à existência de coligação em âmbito nacional.
Vale ressaltar que a Justiça Eleitoral pode, no caso concreto, julgar e punir eventuais abusos e excessos na participação de figuras nacionais nas propagandas locais.

RESULTADO FINAL DO JULGAMENTO

O STF, por maioria, decidiu: 
i) declarar a inconstitucionalidade da expressão “e representação na Câmara dos Deputados” contida na cabeça do § 2º do art. 47 da Lei nº 9.504/97; 
ii) dar interpretação conforme à Constituição Federal ao inciso II do § 2º do art. 47 da mesma lei, para assegurar aos partidos novos, criados após a realização de eleições para a Câmara dos Deputados, o direito de acesso proporcional aos dois terços do tempo destinado à propaganda eleitoral no rádio e na televisão, considerada a representação dos deputados federais que migrarem diretamente dos partidos pelos quais foram eleitos para a nova legenda na sua criação; 
iii) declarar que é constitucional a regra do § 6º do art. 45, da Lei nº 9.504/97, incluído pela Lei nº 12.034/2009.

Decisão por maioria
Ficaram vencidos os Ministros Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso e Marco Aurélio.

Voto do Min. Toffoli
O voto do Ministro Relator Dias Toffoli é uma obra prima sobre Direito Eleitoral e, principalmente, partidos políticos, sendo recomendada a leitura para os que estudam com profundidade o tema.

Processos
Plenário. ADI 4430/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 27, 28 e 29.6.2012.
ADI 4795 MC/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 27, 28 e 29.6.2012

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