terça-feira, 21 de setembro de 2010

Quociente eleitoral - constitucionalidade

AÇÃO CAUTELAR 2.694 (STF)

DECISÃO: Trata-se de ação cautelar ajuizada com o objetivo de deferir a [...] o exercício do mandato de Deputado Federal pelo Estado de Alagoas, até o julgamento final do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n° 3.555, admitido pela Presidência do Tribunal Superior Eleitoral.
No mandado de segurança, o requerente discute a constitucionalidade do § 2º do art. 109 do Código Eleitoral e defende que esse dispositivo não teria sido recepcionado pela Constituição de 1988.
Nas eleições de 2006, o requerente concorreu ao cargo de deputado federal pelo Estado de Alagoas. Apesar do fato de ter sido o candidato mais votado e de sua coligação ter recebido 152.049 votos (10,94% dos votos válidos), acabou não sendo eleito em razão de não se ter alcançado o quociente eleitoral (154.317 votos), o que resultou na aplicação, pelo Tribunal Regional Eleitoral, do § 2º do art. 109 do Código Eleitoral, o qual determina que “só poderão concorrer à distribuição dos lugares os partidos e coligações que tiverem obtido o quociente eleitoral”. Contra a decisão do TRE/AL, o requerente impetrou o Mandado de Segurança n° 3.555 perante o Tribunal Superior Eleitoral, alegando que o referido dispositivo do Código Eleitoral não teria sido recepcionado pela Constituição de 1988, por ser incompatível com os artigos 1º, V e parágrafo único, 3º, I, 5º, LIV, 14, caput, e 45, caput, do texto constitucional. O Tribunal Superior Eleitoral denegou a segurança em acórdão assim ementado:

“MANDADO DE SEGURANÇA. QUOCIENTE ELEITORAL. ART. 109, 9 2°, DO CÓDIGO ÉLEITORAL. RECEPÇÃO PELA CF/88. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. SEGURANÇA DENEGADA.
1. No mandado de segurança pleiteia-se a distribuição das "sobras" das vagas para o cargo de Deputado Federal de Alagoas pelo critério da maior média, sem a aplicação do art. 109, 9 2°, do Código Eleitoral, ou seja, com a participação dos partidos/coligações que não atingiram o quociente eleitoral. Alega-se que o referido artigo é incompatível com o ordenamento jurídico vigente, pois fere diversos princípios constitucionais e democráticos.
2. A pretensão do impetrante depende da conjunção de dois eventos: a) da declaração de não receptividade do art. 109, § 2°, do Código Eleitoral, pela CF/88, o que vai de encontro com a sua presunção de constitucionalidade, por vir sendo aplicado em todas as eleições realizadas desde a promulgação da Carta Magna de 1988; b) procedente o seu pleito, realizar-se-ia novo cálculo dos votos para o cargo de Deputado Federal no Estado de Alagoas.
3. O § 2° do art. 109 do Código Eleitoral foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988.
4. Inexistência de conflito entre o § 2° do art. 109 do Código Eleitoral e os arts. 1°, V, e parágrafo único; 3°, I; 5°, L1V, 14, caput; e 45, caput, da CF/88, interpretados sistematicamente.
5. O sistema proporcional adotado pelo art. 45 da CF/88, de modo preciso, tornou-se eficaz pelo regramento imposto pelo § 2° do art. 109 do Código Eleitoral.
6. Não é absoluto, no que se refere à eficácia quantitativa, em um sistema proporcional para o preenchimento das cadeiras do Poder Legislativo, o princípio da igualdade do voto.
7. A técnica do quociente eleitoral adotada pelo legislador infraconstitucional homenageia os ditames constitucionais, especialmente o art. 45 da Carta Magna.
8. Precedentes jurisprudenciais: TSE: MS n. 3.109/ES, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, julgado em 17.12.2002; RCED n. 644/ES, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, julgado em 12.8.2004; Respe n. 11.249/RS, Rel. Min. limar Galvão, julgado em 17.8.1995. STF: RE n. 140.386/MT, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 20.4.2001.
9. Segurança denegada.”

Contra essa decisão, o requerente interpôs recurso ordinário, o qual foi admitido pela Presidência do TSE.
Assim, aberta a jurisdição cautelar do Supremo Tribunal Federal, o requerente ajuíza a presente ação cautelar pleiteando o direito de exercer o mandato nos últimos meses restantes para o término da legislatura (até 31 de janeiro de 2011), o que seria possível mediante o afastamento, no caso, da aplicação do § 2º do art. 109 do Código Eleitoral.
Os argumentos quanto à plausibilidade jurídica do pedido concentram-se na incompatibilidade do § 2º do art. 109 do Código Eleitoral com a Constituição de 1988. Segundo o requerente, o referido dispositivo, ao limitar a participação na distribuição dos restos ou sobras aos partidos que obtiverem o quociente eleitoral, cria verdadeira cláusula de exclusão – conhecida no direito alemão como Sperrklausel – que violaria os princípios da igualdade de chances e da igualdade de voto, “reduzindo a nada” os votos dados aos partidos por ela atingidos. Como a cláusula de exclusão não seria elemento indissociável da regra da maior média estabelecida pelos incisos I e II do art. 109 do Código Eleitoral, a declaração de sua não-recepção não resultaria num vácuo normativo quanto à regra de distribuição das sobras, visto que os partidos que não lograssem o quociente eleitoral teriam seus votos divididos por 1 (um).
Quanto à urgência da pretensão cautelar, argumenta o requerente que o mandato para o qual teria sido eleito, não fosse a aplicação do § 2º do art. 109 do Código Eleitoral, está prestes a findar (em 31 de janeiro de 2011), o que fará perecer o seu direito.
Decido.
A presente ação cautelar carece do pressuposto básico do periculum in mora. Apesar da relevância dos argumentos levantados pelo requerente quanto a não-recepção do § 2º do art. 109 do Código Eleitoral pela Constituição de 1988, não se pode olvidar que a referida norma, que tradicionalmente faz parte do conjunto de regras de distribuição de lugares no sistema eleitoral proporcional no Brasil, está vigente desde 1965 (com atual redação dada pela Lei n° 7.454/1985) – há notícia, inclusive, de que ela já fazia parte do art. 94 do Código Eleitoral de 1935 –, tendo sido aplicada em todas as eleições democráticas pós-88.
Há que se levar em conta, séria e prudentemente, que a medida cautelar requerida tem patente caráter satisfativo e o potencial de, no final da legislatura e no corrente processo eleitoral de 2010, alterar, e assim desestruturar por completo, a composição dos lugares de representação do Estado de Alagoas na Câmara dos Deputados.
Atualmente, tramita no Supremo Tribunal Federal a ADPF n° 161, Rel. Min. Celso de Mello, na qual se questiona a constitucionalidade do mesmo § 2º do art. 109 do Código Eleitoral. O Partido Republicano, autor da ação, alega que o referido dispositivo, ao definir o quociente eleitoral como uma verdadeira “cláusula de exclusão”, violaria o princípio da igualdade de chances, o pluralismo político, o princípio do voto como valor igual para todos e o próprio sistema proporcional. Afirma o partido requerente que, como a cláusula de exclusão não faz parte da fórmula da maior média, a distribuição das sobras não dependeria da norma do § 2º do art. 109 do Código Eleitoral.
Uma vez declarada a sua não-recepção, permaneceriam as regras do art. 109, incisos I e II, e, dessa forma, na distribuição dos restos ou sobras, os partidos que não lograssem alcançar o quociente eleitoral teriam seus votos divididos por 1 (um). A referida ação já está devidamente instruída, inclusive com o parecer da Procuradoria-Geral da República, e poderá ser levada ao julgamento do Plenário do Tribunal.
Portanto, a relevante questão constitucional suscitada pelo requerente poderá ser apreciada por esta Corte, a seu tempo e modo, na referida ADPF nº 161, assim como no julgamento do mérito do recurso ordinário interposto contra a decisão do TSE no MS n° 3.555, incidindo plenamente, no caso, a regra geral de que os recursos eleitorais não têm efeito suspensivo (art. 257 do Código Eleitoral).
De toda forma, seria sensato refletir se a retirada desse tipo de cláusula de exclusão, que acabaria por modificar o modelo de sistema eleitoral proporcional tradicionalmente adotado no Brasil, não deveria fazer parte de uma reforma política mais ampla.
Com esses fundamentos, nego seguimento à presente ação cautelar, por sua manifesta improcedência (art. 21, § 1º, RI-STF).
Publique-se.
Brasília, 16 de setembro de 2010.

Ministro GILMAR MENDES
Relator



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